RESPM-MAI_JUN-2015-alta
maio/junhode 2015| RevistadaESPM 91 queridamãe, Julieta, berrava: “caderno, borracha, lápis?”. Ela queria saber se eu nãome esquecera de nada. Nasci com aqueles “gadgets” ao meu redor. Carregados de tecnologia embarcada. Jamais me perguntei como era possível fazer o grafite atravessar a madeira e produzir uma linda escrita numcaderno feito de papel a partir de um eucalipto sob altas temperaturas, mas passível de ser apagado por um produto derivado do látex da selva amazônica. Usava e ponto. Esperoque isso aconteçamuitobrevemente comtodos os gadgets da atualidade e as pessoas voltem a se com- portar naturalmente. Como seres humanos que são e continuarão sendo, não obstante e provisoriamente se comportem como se não fossem. E que redescubram, também, a importância e o valor da solidão, indepen- dentemente de estarem rodeadas de aparelhos que as conectamamilhões emsegundos pelo simples toque de umbotão. Assimcomo o prazer de estar compessoas de carne, osso e coração, ao vivo e em cores. No dia 31 de outubro de 1517, véspera do Dia de Todos os Santos, Martinho Lutero ousou afixar suas 95 teses heréticas na porta da igreja do castelo de Wittenberg. Usandoa invençãodeGutenberg, eledisse: “Ichkannnicht anders” (“Não posso fazer de outra maneira”). Naquele momento mudava a história das religiões, do mundo e da vida. O mesmo aconteceu quando James Watt criou sua máquina a vapor, dando início à Revolução Indus- trial. Assim como o mundo virou de ponta-cabeça em 1971, quando a Intel criou e viabilizou omicrochip 4004, principal responsável — e coração — dos gadgets de hoje, a que as novas gerações aderem e agregam a seus com- portamentos, com a mesma naturalidade que fizemos com os de ontem— caderno, borracha e lápis. Já li, reli e tornei a ler e a reler o livro 44 cartas do mundo líquidomoderno (EditoraZahar,2011),deZygmuntBauman, ograndefilósofodoadmirávelmundonovoemquevivemos, oudonovo renascimentocomooshistoriadoresdo futuro, ao comentaremsobre onosso tempo, umdia registrarão. Zygmunt escreve sobre essas novas gerações que não sabem o quão é vital ficar sozinho vez por outra e refle- tir: “Fugindo da solidão você deixa escapar a chance da solitude — dessa sublime condição na qual a pessoa pode juntar pensamentos, ponderar, refletir sobre eles e criar — e assimdar sentido e substância à comunicação”. E nos remete tambéma Antonio Gramsci, que na pri- são, no começo dos 1930, escreveu: “A crise consiste pre- cisamente no fato de que o velho estámorrendo e o novo nãopode nascer; nesse interregno, apareceuuma grande variedade de sintomas mórbidos”. Tenho certeza de que é isso: a transição entre o velho e o novo, o buraco nomeio. Logomais, voltaremos a nos comportar naturalmente, quando smartphones, tablets e pendrives converterem-se emcaderno, borracha e lápis para todos. Aí despertaremos humanos. E voltaremos a amar e ser amados. Lembrar e ser lembrados. Como nos ensinou Vinicius de Moraes: “Para isso fomos feitos”. Voltaremos a ter e ser uma marca de qualidade. Ou, e novamente, marketing & branding em estado de arte. Francisco Alberto Madia de Souza Presidente do MadiaMundoMarketing e da Academia Brasileira de Marketing (Abramark) latinstock
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