RESPM-MAI_JUN-2015-alta
entrevista | daniel miller Revista da ESPM |maio/junhode 2015 102 Revista da ESPM — Nos últimos me- ses, o senhor tem dedicado seu tempo ao estudo do impacto que a mídia social causa em nossas vidas. Quais os princi- pais resultados do Global Social Media Impact Study? Daniel Miller — Anteriormente, a maioria dos estudos sobre as mí- dias sociais tendia a ser feita de uma forma muito universalizante. Eles faziam um experimento, digamos, com alunos de faculdades nos Esta- dos Unidos que faziam algumas ob- servações quanto ao efeito [da mídia social], sobre as amizades ou sobre o aumento da visibilidade. A partir daí, eles diziam: “Este é o impacto do Facebook”. O que a minha equipe fez foi executar nove projetos, simulta- neamente, ao redor do mundo, cada umdeles por 15meses. Pesquisadores viveram 15 meses nessas comuni- dades! Uma delas, por exemplo, é no Brasil. Outra é no Chile. Como resul- tado disso, pela primeira vez, nós re- almente temos uma ideia de como as mídias sociais são usadas de verdade e das consequências do seu uso em diferentes partes do mundo. Assim, você pode ver o risco desses métodos tradicionais. Revista da ESPM — Por que é um risco generalizar? Miller — Porque na prática a mídia social émuito diferente nos seus usos e nas suas consequências em cada lo- calidade. Pode-se pegar alguma coisa que hoje pareça estar homogeneizan- do o mundo, como a disseminação do Facebook ou a disseminação das selfies, e afirmar que isso vai deixar todos os lugares mais parecidos uns com os outros. Mas quando você olha para como as pessoas realmente usam essas coisas, percebe que não é assim. Pode pegar, por exemplo, as selfies. Na Inglaterra, onde faço o meu trabalho, existem claramente categorias bem diferentes de selfies. Aproximadamente cinco vezes mais selfies são tiradas em grupo, para demonstrar a amizade, comparadas às selfies individuais. A rigor, a forma mais comum de selfie é aquela em que as pessoas tentam parecer tão feias quanto podem e enviam por serviços como Snapchat para amigos em quem confiam. Aquela em que tentam parecer bonitas é muito me- nos comum. Revista da ESPM — O que isso nos ensina? Miller — O padrão de selfie pode ser muito diferente em outros lugares. Na verdade, quando se olha mais nos detalhes, você começa a ver que a mídia social é um pouco como qualquer outra forma de comunica- ção. Nós todos temos telefones, mas o modo como usamos o aparelho no dia a dia pode ser diferente na Rússia ou na Argentina. Talvez, pela primeira vez, sejamos capazes de apreciar esses detalhes e diferen- ças entre as diferentes partes do planeta. E não é só de um país para o outro. Nós tivemos dois projetos na China, e os seus resultados são completamente diferentes. Revista da ESPM — Vocês têm gente fazendo isso no Brasil? Miller — Sim, temos gente em um local na Bahia que representa uma área majoritariamente de baixa renda, onde a maioria das pessoas trabalha como garçons e operários da construção civil ou ainda como faxineiros em pontos turísticos. Há turistas na costa, porém esse lugar fica atrás da praia, onde os trabalha- dores vivem. É um exemplo muito bom do que você pode chamar de “nova classe média”. Nós chamaría- mos de classe trabalhadora. É uma amostra bem comum da população brasileira. O mesmo é verdade em nosso local no Chile, na vila de Alto Hospício, que fica perto da fronteira com o Peru e a Bolívia. Vivem lá principalmente pessoas que traba- lham na área de mineração. É uma vila de trabalhadores absolutamen- te comum. Nada de especial. Revista da ESPM — E como essas duas populações usam a mídia social? Miller — Na realidade, se você com- parar esses dois lugares, eles são completamente diferentes um do outro. Completamente diferentes. Posso dar exemplos. O uso de mí- dias sociais na Bahia é muito “baia- no”. Parece com os romances de Tanto a população da Bahia quanto a do Chile usam o Facebook, mas usampara propósitos quase opostos, em relação aos valores e identidades desses lugares emparticular
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx