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entrevista | Jaime Lerner Revista da ESPM | julho/agostode 2015 16 corrida da sua janela. No Rio, como a Vila Olímpica estava prevista para aquele local, a pista foi demolida. Mas ali poderia se aproveitar a es- trutura para transporte público, por exemplo. O Estádio de Cuiabá ficará ali para poucos jogos ao longo do ano. É preciso pensar em um concei- to de multiuso em todos esses gran- des equipamentos urbanos. Revista da ESPM — As grandes transformações de Curitiba come- çaram há 40 anos, quando a cidade ainda tinha espaço para realizar inter- venções urbanas de impacto. Como o senhor vê a evolução das cidades mé- dias? Elas correm os mesmos riscos de crescimento desordenado a que assisti- mos hoje nos maiores centros do país? Lerner — Sem dúvida, criar espaço é o maior desafio das grandes cida- des, e o planejamento urbano pode fazer muito por isso. Como eu disse, sou um otimista das cidades, mas acho que pensamos muito no uso do solo, nas regras de ocupação, e não nos damos conta de coisas simples que podem mudar uma cidade. Um exemplo é o Teatro do Paiol, que foi revitalizado e mudou a vida cul- tural de Curitiba, com apenas 130 lugares. As cidades oferecem tantas oportunidades e se perde tempo com contenciosos. Vejo com alegria as populações despertarem para as coisas da cidade. A cidade é o último recurso da solidariedade. Revista da ESPM — De que maneira? Lerner — Às vezes, dependemos muito de decisões de outros países e de governos centrais para realizar mudanças. Quando se fala em sus- tentabilidade, em fazer acordos para reduzir a emissão de carbono, cada país tem seu esquema político. A Índia, por exemplo, revela a mesma visão dos produtores de carvão. A China, idem. Mas é na cidade que se acha a melhor possibilidade de mu- dança, é por meio dela que podemos avançar na sustentabilidade, na mo- bilidade, para melhorar as condições do planeta. O país que não olhar as suas cidades, para aquilo que elas podem oferecer, está se fechando para as possibilidades das suas po- pulações no futuro. Revista da ESPM — Falando em sus- tentabilidade, o senhor é otimista com o que está sendo feito no Brasil? E no exterior, há bons exemplos? Lerner — Hoje, 75 % das emissões de carbono estão relacionadas às cida- des. É nelas que podemos avançar mais. E muitas cidades estão apren- dendo isso. Como abandonar os au- tomóveis, selecionar o lixo, trazer o trabalho mais próximo à moradia. A cidade é uma equação entre o que se poupa e o que se desperdiça. Muitas cidades na Alemanha começam a reduzir o consumo de eletricidade, produzem energia em suas casas e vendem o excedente ao poder público. Há cidades que estão cada vez menos dependentes do automó- vel. Nova York avançou muito em espaço para as bicicletas, para as pessoas. São as cidades que podem mudar — e não os governos centrais — o problema urbano. Elas podem ser as grandes transformadoras. Revista da ESPM —O senhor tocou no tema da solidariedade. As nossas cida- des entraram no século 21 arrastando problemas de décadas, como migrações desordenadas e miséria extrema dentro de centros muito ricos. Como o governo deve enfrentar problemas de saúde, educação e bem-estar da população no contexto urbano? Lerner — É preciso começar com as crianças. Em uma geração você pode integrar crianças com nível de renda muito baixo à educação e às boas condições de saúde. Tudo isso pode ser oferecido pelas cidades. Você pode avançar muito, oferecendo o acesso a todas as oportunidades que a cidade possui. Todos os eixos de transporte de Curitiba passam por favelas. Todas elas têm acesso ao setor primário de saúde. É a inte- gração desse morador, tornando a cidade acessível. O que vemos hoje é um excesso de soberba. Confunde-se muito preço com valor, e as pessoas se tornam cada vez mais egoístas. Por outro lado, as populações des- pertadas por tudo aquilo que a tec- nologia pode oferecer em termos de comunicação começam a assumir o seu papel de solidariedade. Revista da ESPM — A tecnologia pode ser um fator importante de mobilização? Quemcoloca arame farpado emseumuro é que está se tornandoprisioneiro. Até porque não temos mais ladrões que pulemmuros.Hoje a circunstância do assalto se dáde outramaneira
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