RESPM-JUL_AGO-2015-alta

entrevista | Jaime Lerner Revista da ESPM | julho/agostode 2015 12 Revista da ESPM — Em 2013, o se- nhor prefaciou o livro Cidades para pessoas , do arquiteto e urbanista dina- marquês Jan Gehl, que critica cidades planejadas para os carros, como Brasí- lia, e alerta: “Os arquitetos que projetam as cidades deveriam se preocupar mais com as pessoas e menos com as formas”. Qual é sua visão pessoal sobre o urba- nismo e o papel do arquiteto moderno? Lerner — Nós temos muito orgulho dos nossos mestres, dos ícones da nossa arquitetura, mas hoje temos muito mais necessidade de arquite- tos voltados para a cidade. Em vez de egoarquitetos, precisamos mais de ecoarquitetos. A tendência de analisar uma obra isolada já passou. Ao propor uma construção ou uma proposta urbana, estamos perdendo muito tempo para traçar o que deve- ríamos realmente fazer. Uma obra deve trazer um modelo de vida, de trabalho, de lazer, tudo isso junto. Mas a tendência é isolar as funções urbanas da arquitetura. O trabalho está num lugar, a moradia e o lazer, em outro. Tudo isso em prejuízo da mobilidade. Assim, o local onde há fonte de renda e mobilidade contém pessoas muito ricas perto de pes- soas muito desprovidas. Tudo isso pode e deve ser corrigido, desde que você tenha uma visão clara do que quer para a cidade. Quando o poder público tem ideia para onde ir, quan- do a cidade tem uma proposta de crescimento, aí a iniciativa privada pode trabalhar a favor da cidade e não contra ela. Revista da ESPM — O senhor tem uma longa trajetória de político com visão urbanística pragmática. Por que isso é raro no Brasil? Quais são as ra- zões dessa ineficiência crônica no plane- jamento urbano no país? Lerner — Hoje, o Brasil é um dos países com maior burocracia. O excesso de procedimentos, de des- confiança, é uma síndrome que cria barreiras para novos projetos e soluções. Essas barreiras acabam inibindo esforços, fazendo com que se perca muito tempo. Vejo nas cidades brasileiras a repetição de velhos planos. É sempre a mesma coisa e nada acontece. Há pouca decisão. Com algumas exceções, falta vontade política de fazer acon- tecer, faz-se de tudo para não fazer e todos procuram uma desculpa. Ou a nossa cidade é muito grande, ou não temos os recursos financeiros. O problema não é de escala ou de dinheiro. O problema é a falta de corresponsabilidade que permita transformar problemas em solu- ções. É preciso adotar uma proposta concreta e integrada para o cresci- mento da cidade. Revista da ESPM — Curitiba foi um bom exemplo nesse sentido? Lerner — Foi isso que fizemos na capital do Paraná e serviu de refe- rência dentro e fora do país. Gran- des transformações aconteceram em pouco tempo não só no setor de transportes, mas também nas áreas social e cultural. O impor- tante é que o processo de inova- ção precisa ser constante. Tenho críticas aos que nos sucederam, mas Curitiba continua, sim, uma referência. Quanto à burocracia, os responsáveis pela cidade não têm segurança, eles se defendem, não se sentem fortalecidos. Todos têm medo de assinar, de assumir a sua responsabilidade porque não têm suporte, um apoio para a tomada de decisão. Esse processo de descon- fiança, de criação de barreiras, tem retardado muito o que poderia ser feito em nosso país. Revista da ESPM — Faltam arquite- tos e urbanistas com esse novo conceito de cidade trabalhando ao lado do po- der público? Lerner — Em todos os centros há profissionais da mais alta qualida- de. O problema está na orientação do espaço urbano. Por que a mora- dia destinada às pessoas de baixa renda é cada vez mais afastada da cidade? Nós estamos cada vez mais marginalizando grande parte da nossa população. Grave é o excesso de importância dada ao automóvel. O problema da mobi lidade não pode ser resolvido com o auto- móvel. Um exemplo é São Paulo com cinco milhões de automóveis. Cada automóvel ocupa 25m 2 na re- sidência e outros 25m 2 no local de trabalho. No total, são 50m 2 . Daria Há três fatores essenciais para toda cidade: oproblemadamobilidade; a sustentabilidade, que está ligada àmobilidade; e aquestãoda sociomobilidade, ou seja, a tolerância e a convivência

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